A melhor descrição do Universo à escala macroscópica de que dispomos atualmente é a teoria da Relatividade Geral, que explica a gravidade em termos da deformação da geometria do espaço-tempo.
Esta teoria prevê a existência de buracos negros – regiões do espaço-tempo onde a deformação da geometria é tão
intensa que nem sequer a luz consegue sair dessa região.
Se o buraco negro for suficientemente maciço, podemos entrar nele sem
sentirmos forças de maré que ponham em causa a nossa integridade
física.
O interior do buraco negro não é escuro (em certas regiões antes pelo
contrário), mas a geometria curva altera significativamente a nossa
perceção visual (talvez ao ponto do nosso cérebro não conseguir
interpretar a informação visual recebida).
Tudo o que sabemos sobre o interior de buracos negros tem origem no
estudo e interpretação da geometria e da dinâmica de soluções
matemáticas das equações de Einstein, como por exemplo as soluções de Schwarzschild, de
Reissner-Nordström e de Kerr.
O que acontece dentro dum buraco negro?
Se o buraco negro for estático e electricamente neutro (solução de Schwarzschild), as equações de Einstein dizem-nos que qualquer observador que entre no buraco negro se irá aproximar, sem escapatória, de uma singularidade. Ao fazê-lo, irá sentir a curvatura do espaço-tempo tornar-se infinita, de tal forma que as forças de maré associadas levarão à destruição de qualquer objecto macroscópico (via “esparguetificação”).
Se o buraco negro tiver carga (solução de Reissner-Nordström) ou estiver
em rotação (solução de Kerr), a situação muda radicalmente: antes de
encontrar qualquer singularidade, o observador irá encontrar um novo
horizonte, conhecido como o horizonte de Cauchy, que
conseguirá atravessar sem grandes percalços.
Do ponto vista do observador esta situação é claramente mais agradável,
mas do ponto de vista da teoria (da Relatividade Geral), a situação é
catastrófica! O horizonte de Cauchy corresponde à fronteira da região do espaço-tempo
determinada pelas equações de Einstein. Assim sendo, o que acontece
ao observador para lá desse horizonte não pode ser calculado a partir
da teoria!
O bater de asas duma borboleta, que vive feliz no exterior do buraco
negro, a uma frequência constante (de acordo com o seu relógio de
borboleta), provoca a criação de ondas gravitacionais minúsculas que se
propagam para o interior do buraco negro. Entretanto, o nosso heróico
observador, que entrou no buraco negro, vai recebendo as ondas
gravitacionais provocadas pela borboleta, mas verifica que, da sua
perspectiva, a frequência dessas ondas vai-se tornando cada vez maior
(desvio para o azul), tornando-se infinita à medida que se
aproxima do horizonte de Cauchy. Como consequência, para infelicidade
do observador e gáudio da teoria, o horizonte de Cauchy dá origem a uma
singularidade.
Esta observação levou Penrose a propor a Conjetura da Censura Cósmica Forte, que afirma que, na prática, os horizontes de Cauchy nunca irão
ocorrer, uma vez que basta um bater de asas
duma borboleta para os destruir.
No final do século passado observações astronómicas de supernovas levaram à inesperada conclusão de que o Universo se encontra em expansão acelerada.
Essa expansão acelerada dá origem, em particular, a um novo mecanismo de atenuação de ondas gravitacionais, tal como o esticar duma película elástica leva ao seu alisamento.
Consideremos agora um buraco negro carregado num Universo em expansão. Nesse caso, existe uma competição entre dois fenómenos: por um lado, temos o processo de atenuação das perturbações no exterior do buraco negro devido à expansão acelerada do Universo, e por outro, temos a amplificação dessas perturbações pelo efeito de desvio para o azul junto ao horizonte de Cauchy. A validade da Censura Cósmica Forte depende agora de qual dos fenómenos vence esta competição.
Os resultados matemáticos do projeto GPSEinstein mostram que, quando o buraco negro se encontra próximo da saturação elétrica, o desvio para o azul não é suficientemente forte para contrabalançar os efeitos da expansão do Universo. Nesse caso, o horizonte de Cauchy mantém-se regular. Será que estes resultados põem em causa o carácter determinista da teoria da Relatividade Geral?
Os resultados obtidos no contexto do projeto GPSEinstein mostram que o trabalho do Censor Cósmico, cujo objetivo é preservar o determinismo na teoria da Relatividade Geral, é muito dificultado pela expansão acelerada do Universo. Se quiser manter o seu emprego, o Censor Cósmico talvez tenha que garantir que não existem buracos negros com carga eléctrica elevada no Universo, ou mesmo fazer uso de efeitos quânticos.
Texto: João Costa e José Natário
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